terça-feira, 24 de setembro de 2013

Dez pontos sobre as más paixões e seus efeitos nefastos na alma de uma pessoa



"O demônio nunca dá o que promete  ou dá em condições tais, que a pessoa nunca aproveita"


Raphael de la Trinité


1. Sempre que alguém se entrega a uma ação censurável, o prazer momentâneo, por esse modo obtido, nunca lhe dará a satisfação e o pleno gozo que buscava.

2. Cada vez que [uma pessoa] se entrega a uma paixão desordenada, torna-se presa fácil do medo e da insegurança crônicas, pois percebe que, não sendo dona de si, pode ser “pilhada em flagrante delito” a qualquer momento (por Deus ou pelos homens).

3. Há a ilusão de que, não se atendendo à solicitação má, perde-se uma oportunidade única de gozo — afinal, pareceria que uma fruição (ainda que fugaz) constitui um lenitivo que supera tudo. Bazófia. O pensamento e o ato impuro, por exemplo, são fantasias que funcionam como entorpecentes em nosso espírito. A compulsão estabelece uma dependência, a qual nos faz abdicar da realidade justamente pela obediência cega a um mau impulso da imaginação [a “louca da casa”, conforme São Francisco de Sales]. A pessoa, pelos seus instintos inferiores desregrados, é que busca sofregamente uma oportunidade para praticar o mal: "a ocasião faz o ladrão".

4. Oportunidade única: cada vez que a pessoa faz uma coisa errada, perde a oportunidade de fazer algo de bom (que talvez já não possa fazer mais tarde), a bem dizer, algo que desejaria ter feito, mas não conseguiu, pois o mal tomou o lugar do bem. A liberdade verdadeira consiste em seguir o primeiro impulso bom — algo impossível sem refrear o ímpeto para o mal que, nolens volens, nos assedia sempre. O tempo, por sua vez, vale tanto quanto Deus, visto que é no tempo que granjeamos méritos (ou cumulamos delitos) para toda a eternidade. Uma das piores sensações de ruína (psicológica e moral) no indivíduo reside em perceber que "perde tempo", ou seja, que desperdiça as ocasiões mais propícias para tirar o melhor de si. Algo que repele à nossa natureza, que sempre busca a perfeição no próprio ser, isto é, progredir rumo à realização plena de nossas melhores potencialidades. O engrandecimento constante da ação humana está em fazer, de forma contínua e crescente, alguma coisa que esteja acima das próprias forças, ao invés de se deixar arrastar por algo que leva ladeira abaixo. A cada um só compraz verdadeiramente aquilo que nos eleva aos próprios olhos. Pelo contrário, aquilo que, pela indignidade intrínseca do ato, nos rebaixa, suscita habitualmente desgosto profundo em nós.

5. Quando a pessoa sente prazer no que é errado, perde o prazer das coisas boas e legítimas. Exemplo: quem gosta de rock encontra real dificuldade para apreciar a boa música; quem é afeito ao uso de palavrões ("A boca fala da abundância do coração"), dificilmente aproveita, em toda a extensão da palavra, a louçania e o viço de uma magnífica obra literária. Assim também, quem ama o que é impuro, perde o gosto das coisas verdadeiramente prazerosas e que não aparecem eivadas de sujeira. A mente ladina caminha de par com o coração sem mancha. Quem tem o vezo de se entregar ao que é impuro, perde a capacidade de amar verdadeiramente aquilo que é digno de ser amado, pois todo afeto e dedicação verdadeira pressupõe renúncia a si mesmo, amor a Deus e amor ao próximo por amor a Deus. Ora, numa visão de longo alcance, todo pecado é uma forma de idolatria e de furto: de um lado, consideramos o nosso prazer de momento como um absoluto e, de outro, sonegamos a Deus toda a honra e glória que só a Ele pertencem. O pecado  consiste propriamente no seguinte: diante de um bem maior e de um bem menor, preferir este àquele (O homem é incapaz de fazer o mal pelo mal; busca sempre uma “aparência de bem”). Ora, a felicidade só pode provir da busca de um bem maior, em ordem ao Bem Absoluto, que é Deus.

6. Sendo já difícil enfrentar os problemas, dos quais não nos podemos esquivar — esta terra é um vale de lágrimas (Salve Rainha) —, por que criar, por nossa própria conta e risco, outros tantos, suplementares e não raro tormentosos, tornando com isso os problemas reais muito piores do que o são efetivamente, a ponto de nos exaurirmos — psicológica e moralmente falando —, para enfrentá-los em toda a força do termo?

7. Tudo o que começa com gemido, acaba com uma derrota. A pior sensação que o homem pode ter é perceber que não consegue vencer a si mesmo. Não conseguindo vencer a si mesmo, é inevitável que chegue à conclusão de ser um fracassado, uma vez que a "certeza" do fracasso pode conduzir, ainda que por etapas, ao desespero. Quando o homem se entrega ao prazer ilícito, no fundo da alma se instala o remorso; a contrario sensu, quando se entrega ao sacrifício a procura de um bem mais elevado, sentirá na mais fina ponta da alma, mesmo em meio ao sofrimento, confortadora alegria que nada pode arrebatar.
 
8. O pecado começa “doce” e acaba “amargo”. O deleite carnal (para nos circunscrevermos a este) ilude a razão, lisonjeando os nossos piores instintos. Na boca, porém, fica o gosto amargo da “consciência pesada”. Entre outros vícios, o hábito de mentir, por exemplo, atua de modo análogo. Exemplo 1: o mentiroso não gosta de ser chamado como tal, embora esteja viciado na mentira; logo, sabe que mentir é uma vergonha, mas insiste em enganar-se a si mesmo quando finge menosprezar o mal que há em ser contumaz mentiroso. Exemplo 2: o preguiçoso nunca se esforça para sair da preguiça e fazer algo de útil; no entanto, se alguém exigir que ele saia da preguiça, será capaz até de brigar ferozmente por causa disso; logo, a apatia do preguiçoso é uma espécie de droga que o imobiliza, mas e é só para não ter iniciativa, pois ele se acostumou a não fazer força sobre si, a fim de sair da inércia, torpor e indolência — reage unicamente quando alguém o impede de viver à margem de qualquer forma de esforço. Torna-se, então, um “leão” de vigor quando canaliza a sua reatividade (habitualmente quase nula) pelo único conduto que, longe de conduzi-lo à emenda, ainda mais o atola no vício, ou seja, quando é para rejeitar (desta feita, “sem indolência”) a reprimenda daquele que pretende libertá-lo do vício da moleza.

9. A pessoa pode fugir de tudo o que o incomoda, mas é incapaz de extirpar de si a voz da própria consciência, que, em caso de “forfait”, inapelavelmente o acusa. Não ter paz com a própria consciência, eis o pior castigo do pecador.


10. A falsa euforia, que leva a pessoa a pecar, provoca o remorso e a tristeza numa proporção muito maior do que aquela expectativa de gozo que o pecado ilusoriamente fomenta.

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