quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Tenhamos Compaixão das Pobres Almas! — 24 de Novembro: Liturgia dos funerais (Parte XXV)



Nota do blogue:  Acompanhe esse Especial AQUI.

Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão

Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre







24 de Novembro

LITURGIA DOS FUNERAIS


Ofícios fúnebres


Funerais vem da palavra “funus”, que por sua vez deriva de “funalia”, tocha, porque outrora se fa­ziam os enterros à noite, e eram acompanhados com tochas acesas ou archotes. O cristianismo purificou esta cerimônia pagã, santificando-a com as luzes em­pregadas nos ofícios fúnebres, mas as luzes agora simbolizavam, diz São João Crisóstomo, alegria e esperança na ressurreição da carne.

Nos primeiros dias do cristianismo, na época das perseguições, a cerimônia do sepultamento dos már­tires era festiva e tinha uma nota de alegria e de triunfo. Era a festa da entrada do céu e da glorifi­cação dos que sofreram e morreram por Cristo. “Os mártires, dizia São Cipriano, passavam da prisão pa­ra a imortalidade. De carcere ad immortalitatem transibant. Assim, o dia da morte era celebrado como dia de festa. Adornava-se festivamente o vestibulo da casa mortuária com guirlandas e coroas, escreve São Gregorio Nanzianzeno, e o interior era decorado com verduras, flores e tapeçarias e fachos de luz. Tal eram os funerais dos primeiros cristãos. Os de hoje são bem diferentes. Já não têm mais a nota festiva.

São tristes, são lúgubres. Por quê? Os mártires eram heróis que triunfavam e tinham garantida a salva­ção, eram santos.

Os primeiros cristãos eram de um fervor admi­rável. Morriam mártires da fé, ou deixavam esta vida após muita penitência e uma vida muito santa. Havia razão para que a morte deles fosse um triunfo, assim como hoje a Igreja celebra os funerais das criancinhas que morrem com a inocência batismal. Depois, infelizmente, se introduziram relaxamentos e fraquezas nos costumes, e a Igreja temia a sorte dos seus filhos mortos sem uma penitência suficiente, e sem aquele fervor e santidade dos seus filhos pri­meiros da era gloriosa e santa dos mártires. Eis por­que desde Orígenes, a quem Santo Agostinho atribui a ordem no Ofício dos mortos, se introduziu o espí­rito de satisfação à Divina Justiça pelos mortos, e esta pompa fúnebre que chora sobre os mortos implorando para eles a divina clemência[1].

O espírito festivo foi conservado apenas nos fu­nerais das crianças. Nos funerais dos adultos a Igre­ja quer nos lembrar o dogma do purgatório, quer implorar nossas súplicas pelos que padecem no lugar da expiação. Abreviar ou aliviar este sofrimento, eis o objeto dos ritos fúnebres e de todas as suas preces.

Os antigos, disse São Gregorio de Nisse, embalsamavam os corpos para os sepultar. O cristianismo faz coisa melhor: “embalsama a sua memória e os envolve no perfume das orações e das comemora­ções”[2].

A oração pelos mortos é muito antiga na Igreja.

São Cipriano de Jerusalém, Santo Agostinho e ain­da Tertuliano, asseguram que no seu tempo se faziam preces pelos mortos na convicção de que a oração dos vivos aliviava os mortos.

A Igreja, nossa Mãe, nos acompanha carinhosa e cheia de ternura até a sepultura, e nos segue além-túmulo com suas orações e com o sufrágio dos fu­nerais.

O sentido dos funerais

Três idéias principais claramente percebemos em todos os ofícios fúnebres da Liturgia da Igreja. A primeira, lembrar aos vivos as angústias e os tor­mentos nos quais a maior parte dos que faleceram expiam suas faltas no purgatório; segunda, excitar em favor dos mortos a compaixão e a caridade dos vivos; terceira, afirmar a idéia consoladora da ressur­reição da carne.

Tais são as idéias dominantes de todos os ofí­cios fúnebres.

Lembra as angústias e tormentos do purgatório quando implora, por exemplo, nesta prece: “Senhor, não entreis em juízo com o vosso servo sem que estejais disposto a conceder-lhe a remissão de todos os seus pecados, pois nenhum homem se encontrará jus­to diante de Vós. Nós Vos suplicamos, Senhor, que a sentença do vosso Juízo, não esmague aquele por quem pede esta oração feita com fé verdadeiramente cristã, mas que com o socorro da vossa graça ele, que durante a sua vida foi marcado com o sinal da San­tíssima Trindade, consiga evitar a sentença do vos­so Juízo”.

Que oração impressionante e bela!

Depois, recorda o Juízo tremendo em que se mo­verão o céu e a terra. É o Libera me, Domine! Há na oração final uma expressão que nos mostra o sofri­mento do purgatório. Dá-nos a idéia de que o de­funto está como que sufocado e aflito, sem poder res­pirar o ar do céu, à espera da libertação: “Livrai, Se­nhor, a alma do vosso seno ou serva, de todo o vín­culo dos seus delitos, a fim de que na gloriosa res­surreição, tornando a viver na sua carne, possa res­pirar entre os vossos Santos e escolhidos”.

E muitas vezes repete a Igreja: Requiescat in pace! Descance em paz!

Senhor, não entreis em juízo com vosso servo! Que súplica esta impressionante e comovedora! Che­gando ao cemitério, prossegue o sacerdote: Senhor, nós vos suplicamos, dignai-vos usar misericórdia pa­ra com vosso servo defunto. Que ele não tenha de sofrer as penas dos seus pecados, pois ele desejou cumprir a vossa vontade, e que assim como neste mundo o uniu a sociedade dos fiéis, assim também, lá no céu a vossa misericórdia o associe aos coros dos Anjos.

Sempre a idéia caridosa de implorar misericór­dia pelos mortos que padecem no purgatório! O Ofí­cio dos defuntos é um gemido de dor sobre a miséria da pobre criatura humana, lembrando as lamenta­ções de , tão impressionantes, naquele realismo que abala a nossa alma e parece um gemido saído dos abismos do purgatório. Que antífonas tocantes e pie­dosas! Aqui é um brado de misericórdia pelos que sofrem na expiação, ali um ato de fé na ressurreição da carne, acolá uma lembrança da miséria humana. Enfim, no Ofício dós mortos, nos funerais dos cris­tãos, filhos da Santa Igreja, encontraremos, como disse acima, as três notas impressionantes e de uma eloquência sem igual: a lembrança dos tormentos do purgatório, grito de súplica pelos fiéis defuntos que gemem na expiação, recordando o Juízo tremendo de Deus e a miséria do homem, e a esperança na ressur­reição da carne. Procuremos ler em vernáculo o Ri­tual dos defuntos. Meditemos aquelas orações e antí­fonas, enfim todas as impressionantes lições desta Liturgia.


As lições dos funerais

São muito belas e impressionantes as lições que nos dá a Igreja com os funerais de seus filhos. Já vimos como recorda o sofrimento do purgatório, a necessidade de orar pelos mortos e o dogma da res­surreição da carne. Há, porém, outras lições nestes funerais, que sempre assistimos talvez indiferentes porque não os meditamos, ou ignoramos. O cadáver é guardado com todo respeito e veneração. Não é o nosso corpo, como diz São Paulo, o templo do Espírito Santo? Não recebeu ele as unções do Batismo e água regeneradora? Não foi o Sacrário vivo da Santa Eu­caristia? Não foi o instrumento da Graça, santifica­do pelos Sacramentos?

A Igreja nos lembra o que é nosso corpo e quer que o respeitemos. Proíbe a incineração dos cadáveres e não admite que se profanem os corpos de seus fi­lhos. Leva este cadáver ao templo, cerca-o de luzes, incensa-o, trata-o como coisa sagrada. Depois o acom­panha ao túmulo com orações, benze a sepultura, di­zendo: “Ó Deus, de cuja misericórdia dá repouso às almas dos fiéis, dignai-vos benzer esta sepultura e enviar o vosso Anjo da guarda para a guardar. Dig­nai-vos livrar dos laços dos seus pecados as almas daqueles cujos corpos estão aqui sepultados, a fim de que gozem incessantemente e eternamente a felici­dade junto com vossos Santos”.

Que respeito pelo nosso corpo!

Respeitemos nosso corpo, que um dia há de ser objeto de tanta veneração nos funerais. Não profa­nemos pelo pecado, sobretudo pela impureza, este templo sagrado do Espírito Santo. O Apóstolo São Paulo recomenda tanto este respeito pelo nosso corpo!

Lembremo-nos do Juízo de Deus, tremendo e ri­goroso, como nos lembra a Igreja implorando miseri­córdia e gemendo por nós quando nossa pobre alma comparece diante do Tribunal Divino! Que contas daremos a Deus? Ouvi o Dies Irae, este hino que nos veio da Idade Média e nos recorda o tremer no Juízo de Deus e nossas responsabilidades! A Liturgia da Missa dos defuntos o trás sempre, para associar a idéia do sufrágio dos mortos a do Juízo, e assim ex­citar nossa compaixão pelos mortos e despertar nos­sa alma para uma vida melhor com a lembrança dos Novíssimos.

Estes pensamentos devem ser os nossos, quando acompanhamos nossos mortos à sepultura, quando assistimos aos ofícios fúnebres. É muito triste ver­mos a indiferença e a displicência com que se assistem aos funerais hoje! Quanta profanação! Conver­sas nos enterros, onde se discutem política e inte­resses de negócios, sorrisos e desrespeito. Preocupa­ção de pompas fúnebres e descuido da oração e das exéquias. Para que tantas flores e tantos túmulos pomposos? Ó, se aprendêssemos na escola admirável da Liturgia da Igreja estas sublimes e impressionan­tes lições!

Seria utilíssimo que nos retiros espirituais que fazemos, ao meditarmos na morte, recordássemos a Liturgia dos funerais. Como se presta à meditação e nos ensina tanta coisa para reforma de nossa vida! Todos os Novíssimos aí são lembrados: a Morte, o Juízo — tantas vezes com o “Libera me” e o “Dies Irae” — o Inferno e o Paraíso, para o qual nos manda — In paradiso deducant te angeli... Que lições!


Exemplo

Caridade recompensada


Deus nos concede muitas graças na sua miseri­córdia quando somos generosos para com Ele. Muito alcança em favor das pobres almas do purgatório quem oferece por elas sacrifícios e orações, porém, um ato heróico de virtude pode ser um alívio pode­roso no purgatório. Contam diversos autores fide­dignos e entre eles Santo Antonino de Florença, este exemplo edificante:

Uma senhora viúva tinha um filho único, estu­dante, e a quem amava ternamente e no qual depo­sitava todas as suas esperanças. Um dia, o moço, em companhia de outros colegas se divertia, quando um estranho se pôs entre os rapazes e começa a lhes per­turbar os folguedos com provocações e inconveniên­cias. O filho da viúva o repreendeu severamente. O homem, indignado, puxou de um punhal e o enterrou no coração do pobre moço, deixando-o estendido na rua, banhado em sangue. O assassino foge, assusta­do, e ainda com o punhal em sangue entra na pri­meira casa que encontra para fugir à perseguição da justiça. Qual não foi o seu espanto ao saber que en­trara justamente na casa da mãe de sua vítima!

A viúva piedosa e cheia de carinho, compadecida do assassino o refugia e esconde-o da policia que o procura. Vem a saber, dentro de poucos instantes, que protegia o assassino do seu próprio filho! Sentiu um movimento de dor e de revolta. Era boa cristã. Soube se conter heroicamente. Foi rezar. Ofereceu a Nosso Senhor o sacrifício enorme de perdoar ao criminoso e foi procurá-lo, dizendo-lhe: “Infeliz, ma­taste meu filho querido, único filho, todo meu cora­ção! Era a luz e a alegria de minha velhice, meu úni­co apoio. Poderia te entregar à justiça e me vingar. Não o farei. Prefiro a caridade do perdão pela alma de meu filho saudoso. Vou te ocultar e depois te facilitarei a fuga e te livrarei da justiça”.

O pobre assassino caiu de joelhos, banhado em lágrimas, e quis se entregar à polícia. A viúva não o permitiu. Fê-lo escapar da condenação. Era um ato heróico, admirável!

Alguns dias depois a pobre mãe rezava pela al­ma do filho saudoso, quando este lhe aparece todo belo e esplendoroso. “Minha mãe, minha mãe, diz a bela visão, eu deveria permanecer no purgatório mui­to tempo. Vosso ato de caridade para com meu as­sassino e vossas esmolas e orações me abreviaram a pena e subo já para o céu. Adeus, minha querida mãe! Até o céu!”.

Que consolação para a pobre viúva! Sentiu ela a doce recompensa do seu ato heróico.

Perdoemos nossos inimigos por amor e em su­frágio das almas do purgatório.


[1] Lerosey — Simbolisme de La Liturgie.
[2] De orat Domin. orat. I.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...