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Vários deles insinuam, mesmo, que a posição verdadeira seria aquela que mais se opõe à boa doutrina. Em face de pedidos para esclarecer tais dúvidas e eliminar tais ambiguidades, o Papa vem-se calando há bem mais de ano. Pergunta-se aos teólogos tradicionais: tal silêncio não envolve renúncia à obrigação de ensinar, e portanto cisma? Não é verdade que o ensino há de ser claro, objetivo e definido, sob pena de não ser verdadeiro ensino?
11) Insista-se em que o mais grave é que a indefinição papal sobre ambiguidades de tal tamanho se mantém, apesar dos numerosos, reiterados e respeitosos pedidos, vindos de todo o orbe, para que tais dúvidas sejam eliminadas. Em seus breves pronunciamentos diários, o Papa faz, cá e lá, declarações que pareceriam resolver uma ou outra dessas questões, mas logo em seguida apresenta afirmações em sentidos diversos, que restauram, renovam e agravam as dúvidas anteriores. Objetivamente tudo se passa como se se tratasse de modo de agir sistemático.
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─ “Ide, pois, ensinai todas as gentes,
batizando-as em nome do Pai,
e do Filho, e do Espírito Santo”.
batizando-as em nome do Pai,
e do Filho, e do Espírito Santo”.
─ “Pedro, eu roguei por ti,
para que a tua fé não desfaleça;
e tu, confirma teus irmãos na fé”.
para que a tua fé não desfaleça;
e tu, confirma teus irmãos na fé”.
5-2-2015 Arnaldo Xavier da Silveira
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Onde está o Papa está a Igreja
1) Segundo Santo Tomás de Aquino, “a heresia e o cisma se distinguem por aquilo a que essencial e diretamente se opõem. A heresia se opõe essencialmente à fé; ao passo que o cisma, à unidade da caridade eclesiástica”. E Santo Tomás cita São Jerônimo: “Julgo haver entre o cisma e a heresia a diferença seguinte: a heresia professa dogmas perversos, ao passo que o cisma separa da Igreja”. E, concluindo: “não há cisma que não venha acompanhado de alguma heresia, para parecer que o cismático se separou, com razão, da Igreja”([1]). É princípio corrente na doutrina católica que onde está o Papa está a Igreja. Assim, pareceria à primeira vista impossível que um Papa caísse em cisma, porque ele não poderia romper consigo mesmo; nem com a Igreja, porque desta ele é a Cabeça visível, Vigário de Nosso Senhor.
2) No entanto, os grandes e prestigiosos teólogos da idade de prata da Escolástica (séculos XV a XVII) admitiram largamente a hipótese de um Papa cismático, explicando que é em princípio possível, ou pelo menos a teologia não aponta como impossível, a ruptura do Pontífice com a Igreja. O Papa que chegasse a tal ruptura deixaria de estar na Igreja, e a Igreja nele.
3) Os exemplos dados pela doutrina falam por si, num primeiro momento até melhor do que os argumentos dogmáticos. Seria cismático o Papa que pretendesse subverter toda a liturgia de origem apostólica. Seria cismático o Papa que, no exercício do cargo, cuidasse sobretudo dos interesses materiais seus e de sua família, abandonando ou negligenciando gravemente as questões da Igreja. E o que excomungasse toda a Igreja. Assim discorrem sobre a matéria alguns dos maiores teólogos daquele período:
3.a – O Cardeal Torquemada (1388-1468), tio do inquisidor do mesmo nome, e uma das primeiras e principais figuras da idade de prata da escolástica, escreveu que o Papa pode tornar-se cismático “ordenando o que é contrário ao direito natural ou divino”.
3.b – O mesmo Cardeal Torquemada escreve que o Papa será cismático “se não observar aquilo que foi, pelos concílios universais ou pela autoridade da Sé Apostólica, ordenado universalmente, sobretudo quanto ao culto divino”.
3.c – Assim se exprime o Cardeal Caietano (1469–1534), grande figura da ordem dominicana: “O Papa poderia romper a comunhão renunciando a comportar-se como chefe espiritual da Igreja, decidindo, por exemplo, agir como mero príncipe temporal.”
3.d – Ainda o Cardeal Caietano: “A Igreja está no Papa quando este se comporta como Papa, isto é, como Cabeça da Igreja; mas caso ele não quisesse agir como Cabeça da Igreja, nem a Igreja estaria nele, nem ele na Igreja”.
3.e – Francisco Suárez (1548–1617), um dos maiores teólogos da Companhia de Jesus, ensina: “o Papa poderia ser cismático caso não quisesse ter, com todo o corpo da Igreja, a união e a conjunção devida, como seria se tentasse excomungar toda a Igreja, ou se quisesse subverter todas as cerimônias eclesiásticas fundadas em tradição apostólica”.
4) Foram sobretudo os pujantes movimentos de fervor e ortodoxia já anteriores ao Concílio de Trento (1545-1563) e que a ele se seguiram em reação contra o protestantismo, e foram os escândalos causados por Papas daqueles tempos, que deram ocasião aos estudos dos grandes autores do período sobre a possibilidade de um Papa cismático e sobre o que daí adviria. Os doutores e comentaristas posteriores estudaram a matéria sempre de modo sérioe atento, mas pouco ou quase nada a desenvolveram.
Aprofundando a noção do Papa cismático
5) Os princípios básicos sobre a possibilidade teológica de um Papa cismático vêm expostos sinteticamente em nosso estudo sobre “A Hipótese Teológica de um Papa Herege”([2]). Cumpre no entanto, no momento atual, aprofundar tais princípios. Para isso, permitimo-nos formular, em sede teórica, uma pergunta aos teólogos especialistas na matéria: não é verdade que seria cismático o Papa que abrisse mão de pelo menos uma das prerrogativas essenciais de seu cargo? Como não pretendemos aqui apresentar uma monografia acadêmica a respeito, suscitamos a questão em termos genéricos, na esperança de que especialistas de boa cepa tragam fundamentação histórico-teológica nova, válida para o enriquecimento dessa delicada doutrina.
6) Vejamos os termos exatos em que o problema se põe. Nas funções do Papa como vigário de Cristo, há faculdades, direitos, prerrogativas, que não são da essência do cargo. Que o Pontífice seja senhor temporal em determinados territórios, por exemplo, é conveniente, mas não é essencial a sua função vigária de Nosso Senhor. Que todos os bispos sejam nomeados pessoalmente pelo Papa é norma salutar, mas não se trata de prerrogativa essencial ao Sumo Pontífice. Outras obrigações, entretanto, são da essência do Papado, como custodiar o depósito revelado, ensinar a boa doutrina, buscar a conversão de todos os povos, confirmar seus irmãos na fé.
7) Assim, põe-se o problema: não seria cismático o Papa que efetivamente abrisse mão de alguma dessas obrigações essenciais de seu cargo? Se, por exemplo, deixasse de batalhar pela conversão dos não católicos? Ou se abrisse mão, em princípio, de ensinar? Ou se se recusassea aceitar a conversão de não católicos à Santa Igreja?
Um caso concreto de nossos dias
8) Um exemplo atual contribui para a devida intelecção do assunto. Em setembro e outubro de 2013 foram publicadas entrevistas do Papa Francisco, respectivamente naCiviltà Cattolica e no jornal romano La Repubblica, nas quais o Pontífice exprimiu dúvidas e usou de fórmulas ambíguas que chocaram o mundo católico. Não foram ali abordados apenas pontos livres e secundários da doutrina católica, mas algumas questões relativas a teorias e fatos absolutamente fundamentais à fé e aos bons costumes.
9) Eis alguns desses textos ambíguos ([3]):
a. “Nesse procurar e encontrar a Deus em todas as coisas fica sempre uma zona de incerteza. Deve ser assim. Se uma pessoa diz que encontrou a Deus com certeza total e nisso não aflora uma margem de incerteza, então as coisas não vão bem. Para mim, essa é uma chave importante”.
b. “Cada um de nós tem sua visão do bem e também do mal; devemos incitar cada qual a proceder segundo o que ele pensa ser o bem”.
c. “Deus é maior do que o pecado”.
d. “Durante o voo de retorno do Rio de Janeiro, eu disse que se uma pessoa homossexual tem boa vontade e está à procura de Deus, eu não sou ninguém para julgá-la”.
e. “Não podemos insistir apenas nas questões ligadas ao aborto, ao matrimônio homossexual e ao uso dos métodos contraceptivos. Isso não é possível”.
f. “Uma pastoral missionária não tem obsessão pela transmissão desarticulada de uma multidão de doutrinas a serem impostas com insistência”.
g. “O proselitismo é um solene disparate, não tem sentido”.
10) Ora, tais modos de falar lançam um véu de dúvida e ambiguidade sobre princípios e fatos de todo em todo essenciais da fé e da moral. Vários deles insinuam, mesmo, que a posição verdadeira seria aquela que mais se opõe à boa doutrina. Em face de pedidos para esclarecer tais dúvidas e eliminar tais ambiguidades, o Papa vem-se calando há bem mais de ano. Pergunta-se aos teólogos tradicionais: tal silêncio não envolve renúncia à obrigação de ensinar, e portanto cisma? Não é verdade que o ensino há de ser claro, objetivo e definido, sob pena de não ser verdadeiro ensino?
11) Insista-se em que o mais grave é que a indefinição papal sobre ambiguidades de tal tamanho se mantém, apesar dos numerosos, reiterados e respeitosos pedidos, vindos de todo o orbe, para que tais dúvidas sejam eliminadas. Em seus breves pronunciamentos diários, o Papa faz, cá e lá, declarações que pareceriam resolver uma ou outra dessas questões, mas logo em seguida apresenta afirmações em sentidos diversos, que restauram, renovam e agravam as dúvidas anteriores. Objetivamente tudo se passa como se se tratasse de modo de agir sistemático.
12) O que acaba de ser dito sobre as duas entrevistas jornalísticas de 2013 vale igualmente para outras questões suscitadas com frequência em declarações papais, como sua proclamação de que há marxistas de boa vontade; como sua condenação escorregadia do regime capitalista sem qualquer matiz, e sem uma proscrição do socialismo; como sua afirmação de que as mulheres não podem ser irresponsáveis a ponto de ter filhos qual coelhas; e como seu comportamento pelo menos omisso, quando não favorável, às tese heterodoxas do Cardeal Kasper, por ocasião do Sínodosobre a família, que abalou os fundamentos da indissolubilidade do matrimônio e da qualificação do homossexualismo como pecado gravíssimo, que brada aos Céus e clama a Deus por vingança.
Alguns esclarecimentos fundamentais
13) Não se pretendendo, nestas linhas, apresentar um tratado sobre a hipótese teológica de um Papa cismático, não há lugar aqui para observações sistemáticas mais cuidadosas, mas alguns esclarecimentos básicos se impõem:
a) Os grandes doutrinadores raramente afirmam em termos positivos e seguros que o Papa possa ser herege, mas o conjunto de seus escritos mostra que na Revelação não consta a impossibilidade de queda de um Papa em heresia. Isso vale também para a hipótese do Papa cismático, de modo a tornar-se em verdade impossível declarar que, segundo os grandes teólogos que estudaram a matéria, um Papa não possa cair em cisma.
b) Os grandes autores em geral consideram apenas a possibilidade de heresia de um Papa “como pessoa privada”. A tese contrária, da possibilidade de heresia no exercício oficial de sua função, todavia, aflora cá e lá na tradição, e com ênfase, baseada em fortes e mesmo inafastáveis argumentos de razão teológica. Do mesmo modo, o Papa eventualmente cismático não o será apenas “como pessoa privada”, tanto mais quanto, nessa matéria específica, sua ruptura com a Igreja dificilmente poderia dar-se no âmbito meramente particular.
c) As presentes considerações sobre a doutrina do Papa cismático poderiam dar a algum leitor desavisado a impressão de que, em assim sendo, vários Papas, na história da Igreja, teriam perdido o cargo por caírem em cisma. Ora, essa ideia seria errônea já nos seus pressupostos, porque, à semelhança do Papa herege, o cismático não perderia seu cargo ipso facto e de imediato. Com efeito, São Roberto Bellarmino, com muitos outros autores de peso, mostra que a perda do pontificado pelo herege só ocorre quando a defecção do Papa na fé se torna “manifesta”( [4] ). Ora, o mesmo se dá com o Papa cismático, e por análogas razões. No estado presente dos debates teológicos sobre essa questão específica, entendemos que seria aberrante do fluxo geral do pensamento ortodoxo, e seria mesmo irresponsável, pretender que a perda efetiva do Papado, no caso de heresia como no de cisma, se daria ipso facto e de imediato. Hoje, somente algumas correntes sedevacantistas defendem essa perda imediata( [5] ).
Ensino ambíguo não é verdadeiro ensino
14) Repita-se a pergunta que aqui dirigimos aos doutores: o descumprimento de uma obrigação essencial ao Papado, como seria a recusa sistemática de exercer um Magistério claro e unívoco sobre dúvidas e ambiguidades do porte indicado, não revelaria que um Papa, pertinaz nessa matéria, estaria renunciando a sua obrigação de ensinar, merecendo, então, a censura teológica de cismático?
15) Que Nossa Senhora ampare Sua Igreja.
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