quinta-feira, 4 de abril de 2013

Quando um Santo Vigário condenava os bailes










Por: Raphael de la Trinité


Há tantos aspectos para comentar que quase tropeço nas palavras, antes mesmo de fazer alguma consideração... Começo pela presumível opinião dos adversários.

Número 1 - Hoje se diria (
sobre o texto do Cura d’Ars), que se trata de trecho “fundamentalista, mórbido e faccioso”. O Santo não seria “arejado” nem compreensivo em relação às “fraquezas humanas”.


Número 2 - Comparemos as danças de uma aldeia francesa do início do século XIX (época do Cura d’Ars) com as “baladas” contemporâneas! Hoje é tudo tão lúbrico, que nem de longe haveria termos de comparação. Em nossos dias afigura-se público e notório que, em tais recintos, campeia toda forma de depravação moral, sem esquecer o recurso frequente às drogas. Tais “estabelecimentos de diversão compulsória” são tão fesceninos, que, não raro, a conjunção carnal é ali diretamente almejada pelos jovens de ambos os sexos, que se reúnem para o gozo indiscriminado das apetências carnais. Costumam mesmo designá-lo por termos abjetos (estou usando uma palavra mais comedida, como “friccionar” os corpos, mas eles utilizam outras, bem mais vulgares, para indicar “apertão”, “agarramento”; falam em “almondegar”, indicando mesclar, misturar as pessoas...).

Quando vivia São João Maria Vianney, supérfluo dizer, nem se concebia uma degringolada dessa natureza.

Número 3 - Como, naqueles tempos (quando se preservavam certas formas de recato e pundonor), não se concebia esse desatar ébrio de paixões amorosas, num sex appeal infrene, feito de sensualidade à flor da pele e “experiências” lascivas, sob o signo do universal “é proibido reprimir” (“glorioso” lema do século XXI), entende-se que o Cura d’Arns teve em vista, nesses comentários, sobretudo os pecados internos contra a castidade (desejos, pensamentos), sem descurar, é claro, de tudo o mais que aparece depois em cascata. Claro que entrava, de chofre ou de forma premeditada, desde logo, gravíssimo problema dos olhares. Talvez, de início, sentimentais apenas, ociosos, imprudentes e indiscretos, logo resvalando, como sói acontecer, para os paroxismos da sensualidade mais declarada.

Número 4 - Consideremos, também, a questão dos trajes. Ao que me consta, as pessoas daquele tempo comumente não se despiam (quase que por inteiro, como hoje) para incitar aos olhares, desejos e atos libidinosos. Via de regra, os trajes eram pudicos. Contudo, isso não impedia que as solicitações impuras “chovessem”, pois a natureza humana, após o pecado original, jamais deixará de ser facilmente arrastada pelo que tem de mais baixo.  

Número 5 – Convém ressaltar que, em linhas gerais, os referidos bailes (mesmo na primeira metade do século XIX) eram realizados, assim como acontece em qualquer época, sob o signo do “largar o corpo” (o que costumava incluir, além dos perigosos namoricos e assemelhados, bebedeira nas tavernas, incontinência verbal, blasfêmias, ou seja, palavrões, esconjuros, impropérios e formas de comportamento vulgar de toda natureza). — O que era a pequena cidade de Ars, naquela conjuntura histórica? Uma quase aldeia, habitada no geral por pessoas muito simples, camponeses ou trabalhadores manuais. Esse prurido de prazer e gozo embriagante, acalentado pelos bailes, portanto, certamente correspondia a um como que “momento de alívio”, a um “soltar dos freios”, por parte dos rústicos aldeões. Concedendo nessa matéria, muitas outras, bem mais graves, viriam de roldão.

Número 6 – O problema de fundo, no meu entender, estava (e está) no EXPOR-SE À OCASIÃO PRÓXIMA DE FALTA. QUEM O FAZ VOLUNTARIAMENTE, JÁ PECA.

Número 7 – Não existia, então, cinema, TV, Internet. Significa que, “sair da rotina”, naqueles idos, deveria corresponder a buscar cançonetas e danças (mais ou menos) obscenas ou “pegajosas”, que induziam a pessoa a um estado de espírito de gozo da vida, consubstanciado no que esta tem de menos edificante. Em suma, um desatar dos instintos inferiores do homem, que é sempre o mesmo, em qualquer época, conforme já referi.

Número 8 – Uma objeção que caberia. Usando palavras sem meias medidas, o Cura d’Ars parecia desaprovar e proscrever todo gênero de diversões, ou seja, estaria quase pleiteando que todos vivessem uma vida de convento. Aqui a questão é outra. O Cura D’Ars desejava tirar aquelas pessoas do atoleiro de vida sensual e das torpezas da carne. Discernia, desse ponto de vista, que os bailes representavam a grande alavanca mediante a qual o demônio arrancava os indivíduos dos bons pensamentos, bons propósitos e prática do dever. Numa palavra, era o que primordialmente arruinava os lares e a sociedade, além de ofender gravemente a Deus — de longe, o mais importante.

Em resumo, via tudo de uma perspectiva bem mais nobre e mais santa do que o comum dos mortais, considerando, com precisão de análise, que os bailes de qualquer espécie põem em grave risco a salvação eterna das pessoas.

Por esse firme e inabalável princípio, pautava a sua conduta.

Consequência: em razão dos ensinamentos e dos exemplos vividos na presença de seu grande vigário, sem contar os mais portentosos milagres que operava diante de todos, Ars transformou-se num luzeiro para a vida em sociedade e São João Maria Vianney modelo de todos os párocos.






*** * ***






Seguem alguns episódios que comprovam como o demônio se enfurecia com o Santo e como este o subjugava com destemor e galhardia:

Depoimento de Dionísio Chaland, de Bouligneux, jovem estudante de filosofia, num dia de junho de 1838: ‘Ajoelhei-me no seu genuflexório, para confessar-me, no quarto do próprio santo. Quase pela metade da confissão, um tremor geral agitou toda a peça; o genuflexório se moveu. Levantei-me aterrorizado. O Sr. Cura agarrou-me por um braço.- Não é nada, disse ele. É o demônio.


A quatro de fevereiro de 1857 o santo se pusera a ouvir confissões. Pouco antes das sete, as pessoas que passavam diante da casa paroquial viram que saíam chamas do quarto do padre Vianney. Foram avisá-lo: “Sr. Cura, parece que há fogo no seu quarto”. Enquanto lhes entregava a chave para que fossem apagá-lo, observou, sem muita preocupação: “Esse vilão do demônio, não podendo pegar o pássaro, queima-lhe a gaiola”.

Em 1826, durante uma missão em Montmerle. Era noite, ouviu-se um barulho de carro que fazia estremecer o chão. Parecia que a casa vinha abaixo. Produziu-se no quarto do Cura d´Ars, uma tal algazarra que o Pe. Benoit gritou: “Estão matando o padre Vianney”. Todos correram para lá. Mas o que viram? O santo estava deitado tranquilamente no seu leito, que mãos invisíveis tinham arrastado para o meio do quarto. “Foi o demônio, disse ele, sorrindo. Não é nada. Sinto muito não vos ter prevenido. É bom sinal… Amanhã cairá um peixe graúdo” [para ele ouvir em confissão e converter para Deus].

O Cura tivera na juventude aspecto vigoroso, mas, pelos jejuns, seus membros se foram adelgaçando. As mãos descarnadas, com as veias salientes.

Todo o seu prazer, conta Padre Luís Beau, confessor do cura d´ Ars era falar em assuntos espirituais. Encantado com os modos sublimes do Cura d´Árs, um poeta francês assim o definiu: – Nunca vi Deus assim tão de perto!

No último ano de sua vida, o cura d´Ars viu passar por sua igreja, pelo menos uns cem mil peregrinos.

O mês de julho de 1859 foi verdadeiramente abrasador. Fora das casas parecia-se respirar fogo. Prostrado já mortalmente em seu leito, ainda pode pressentir seu momento derradeiro e pediu que lhe chamassem seu confessor, o Cura de Jassans. Chamado também o médico, este constatou que o enfermo tinha chegado a uma debilidade extrema. E ainda declarou: se o calor diminuir ainda haverá alguma esperança.

Muitos dos seus queridos paroquianos, movidos de terna compaixão pelo seu santo cura, chegaram a estender sobre o telhado grandes toalhas que, trepados em escadas molhavam de quando em quando para mitigar a penúria de seu querido pároco. Era um testemunho silencioso de devotamento pelo amoroso pastor que não vacilou em dar toda sua vida pelo amado rebanho.

Finalmente, no dia 4 de agosto de 1859, às duas da madrugada, enquanto nos céus de Ars se desencadeava violenta tempestade, João Maria Batista Vianney, sem agonia, entregou sua alma ao seu Bom Deus. Contava então, setenta e três anos, dez meses e vinte e sete dias e fazia quarenta e um anos, cinco meses e vinte e três dias que era cura de Ars.

A 14 de agosto de 1859 o corpo foi depositado numa sepultura aberta no centro da nave. Sobre ela foi colocada uma lápide de mármore preto em que se gravaram em forma de cruz um cálice e esta simples inscrição: Aqui jaz João Maria Batista Vianney, Cura d´Ars.

A 8 de janeiro de 1905, o papa Pio X assinou o decreto de beatificação do cura d´Ars. No dia 12 de abril de 1905, São Pio X declarou-o Patrono de todos os sacerdotes que têm cura de almas na França e nos territórios de seu domínio. E a 28 de setembro de 1925, quinze dias depois da canonização de Terezinha do Menino Jesus, o humilde pároco de Ars era canonizado pela Papa Pio XI.

Havendo quem deseje aprofundar-se no assunto, é recomendável ler a obra do Cônego Trochu, “O Santo Cura D’Ars”, de onde são extraídas as passagens acima. 

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