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Homens-autômatos?
“As tecnologias estão nos
roubando talentos que só são desenvolvidos quando lutamos duro para conseguir
as coisas”.
“Nós as aceitamos porque nos
oferecem a ilusão de que teremos mais tempo livre”
Os estímulos e distrações que armazenam os smartphones que carregamos ou as telas às quais estamos conectados impede que nos concentremos. Fazem com que sobrevoemos as coisas. Passar de uma à outra, a torto e a direito, em uma profunda viagem pela superficialidade.
Rouba também nosso
compromisso com o mundo. Passamos mais tempo socializando através da tela, como
observadores. Reduz os talentos que desenvolvemos e, portanto, a satisfação que
sentimos ao desenvolvê-los.
Em seu novo livro, The
Glass Cage: Automation and Us (A Gaiola de Vidro: Automação e nós, sem previsão
de lançamento no Brasil), Carr, de 55 anos, fala em complacência
automatizada: confiamos em que a máquina vai resolver tudo, nos entregamos
a ela como se fosse todo-poderosa, e deixamos nossa atenção à deriva. A partir
desse momento, se surgirem problemas, não sabemos mais como resolvê-los.
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Delegamos cada vez mais coisas à tecnologia. Ela guia nossos passos,
relações, trabalhos
Por JOSEBA ELOLa
Por JOSEBA ELOLa
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Interior da cabine de comando de um avião durante uma manobra de aproximação. / GUILLERMO GRANJA (REUTERS) |
Na primavera do ano 1995, o transatlântico Royal Majesty encalhou,
inesperadamente, em um banco de areia da ilha de Nantucket. Apesar de estar
equipado com o mais avançado sistema de navegação da época se chocou com esta
ilha situada a 48 quilômetros de Cape Cod, Massachussetts, nos Estados Unidos.
Vinha das ilhas Bermudas e se dirigia a Boston, com 1.500 passageiros a bordo. A antena do GPS se soltou, o barco
foi se desviando progressivamente de sua trajetória e nem o capitão, nem a
tripulação perceberam o problema. Um vigilante de guarda não avistou uma
importante boia perto da qual o barco devia passar e não informou: como a
máquina vai se equivocar? Felizmente, o acidente não produziu feridos.
O prestigioso ensaísta norte-americano Nicholas Carr utiliza este
episódio para ilustrar até que ponto depositamos nossa fé nas novas
tecnologias, que nem sempre são infalíveis.
Em alguns casos, podem nos arrastar para lugares aos quais não queríamos
chegar.
Em seu novo
livro, The Glass Cage: Automation andUs (A Gaiola de Vidro:
Automação e nós, sem previsão de lançamento no Brasil), Carr, de 55 anos,
explica que caímos em uma automatização excessiva, e através deste processo
exteriorizamos parte de nossas capacidades. A tecnologia guia nossas buscas por
informação, nossa participação na conversa das redes, nossas compras, nossa
busca de amigos. E permite que não façamos os trabalhos pesados.
Tudo isso, pouco a
pouco, nos conduz ao que Carr denomina complacência automatizada: confiamos em
que a máquina vai resolver tudo, nos entregamos a ela como se fosse
todo-poderosa, e deixamos nossa atenção à deriva. A partir desse momento, se
surgirem problemas, não sabemos mais como resolvê-los.
A pequena história do Royal Majesty, na verdade, encerratoda uma
metáfora: colocamos o GPS e perdemos o rumo.
Algo assim é o que nos explica o especialista norte-americano: “Estamos
enfeitiçados pelas tecnologias engenhosas”, diz em conversa telefônica de sua
casa em Boulder, Colorado, nas Montanhas Rochosas. “Nós as adotamos rápido
demais porque pensamos que são ‘cool’ ou porque achamos que diminuirão nosso
trabalho; mas,demoramos para perceber os perigos que elas encerram, e não
paramos para pensar como estas ferramentas mudam nosso comportamento, nossa
maneira de atuar no mundo”.
“As tecnologias estão nos
roubando talentos que só são desenvolvidos quando lutamos duro para conseguir
as coisas”.
Este estudioso das novas tecnologias, que em 2011 foi finalista do prêmio Pulitzer com sua obra
anterior, The Shallows: Whatthe Internet is doing to our Brains (O
Superficial: O que a Internet está fazendo com nossos cérebros?), estima
que a complacência automatizada está diminuindo nossas capacidades. E usa um
exemplo muito simples: graças aos corretores automáticos, exteriorizamos nossas
habilidades ortográficas. Cada vez escrevemos pior. Desaprendemos.
“À medida que empresas como Facebook,
Google, Twitter e Apple concorrem mais ferozmente para fazer as
coisas para nós, para ganhar nossa lealdade, o software tende a se apoderar do
esforço que significa conseguir qualquer coisa”.
Pergunta. O que as novas tecnologias nos estão roubando?
Resposta. Estão-nos roubando o desenvolvimento de preciosas habilidades e
talentos que só se desenvolvem quando lutamos duro pelas coisas. Quanto mais
imediata é a resposta que nos dá o software dizendo onde ir ou o que fazer,
menos lutamos contra esses problemas e menos aprendemos. Rouba também nosso
compromisso com o mundo. Passamos mais tempo socializando através da tela, como
observadores. Reduz os talentos que desenvolvemos e, portanto, a satisfação que
sentimos ao desenvolvê-los.
O discurso tecno-cético de Carr pode ser rebatido de muitos lados. Não
são poucas as vozes que se levantariam dizendo que essas mesmas tecnologias
estão permitindo a capacidade de comunicação das pessoas, as possibilidades de
aprender ou até de se organizar para mudar as coisas e se comprometer com o
mundo. O próprio Carr suaviza seu discurso elogiando as imensas possibilidades
que a rede oferece para acessar informações e se comunicar. Mas há custos
associados.
Manter a atenção no novo cenário tecnológico, na verdade, não é algo
fácil. Os estímulos e distrações que
armazenam os smartphones que carregamos ou as telas às quais estamos conectados
impede que nos concentremos. Fazem com que sobrevoemos as coisas. Passar de uma
à outra, a torto e a direito, em uma profunda viagem pela superficialidade.
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O ensaísta norte-americano Nicholas Carr, em 2010. / MURDO MACLEOD |
Carr, que foi assessor editorial da Enciclopédia Britânica, afirma que a
automatização na qual nos encontramos imersos conduz, além disso, a uma
sociedade com médicos de atenção primária que empregam entre 25% e 55% de seu
tempo olhando para a tela em vez de prestar atenção à narrativa do paciente;
arquitetos que utilizam planilhas que propiciam uniformidade urbanística; e
financistas que delegam operações à máquina que, quando falha, têm
consequências.
Na verdade, já se começou a dar alguns passos atrás no processo de
automatização. Dia 4 de janeiro de 2013, a Administração Federal de Aviação dos
Estados Unidos emitiu um comunicado pedindo que as empresas de aviação
norte-americanas incentivassem as operações de voo “manuais”. As investigações
sobre acidentes e incidentes no ar, explica Carr, indicavam que os pilotos
tinham-se tornado muito dependentes da navegação automática.
A automatização significa, além disso, uma ameaça para o emprego e
transforma os trabalhadores em acessórios da máquina, em executores de
trabalhos cada vez maismecânicos, pois as capacidades intelectuais foram exteriorizadas.
“É muito triste. Não significa apenas uma ameaça para o sustento das pessoas,
também nos converte em observadores mais do que em atores. Nossa experiência e
múltiplos estudos psicológicos demonstram que envolver-se é a forma de ficar
satisfeito com o trabalho”.
Este processo é alimentado por uma dupla força: por um lado, as empresas
potencializam a automatização em prol da eficiência e dos resultados. E por
outro, os trabalhadores aceitam de bom grado estas tecnologias: “Nós as
aceitamos porque nos oferecem a ilusão de que teremos mais tempo livre.” Aí
está a armadilha. “Muitos empreendedores e investidores do Vale do Silício nos
dizem: ‘Isto vai melhorar nossas vidas, vai-nos libertar’. Essa retórica
utópica esconde o fato de que, em muitos casos, as tecnologias não estão
melhorando nossas vidas, nem dando melhores trabalhos ou atividades, mas estão
enriquecendo cada vez mais os plutocratas do Vale do Silício”.
Carr, ex-diretor da Harvard Business Review, rechaça que neste caso seja o velho
medo da máquina dos tempos da Revolução Industrial: “Há uma grande diferença:
os computadores podem fazer agora mais tipos de trabalho; não apenas os
relacionados com a produção, mediante robôs, mas também os analíticos. Desta
vez assistiremos a uma perda importante de empregos”.
O ensaísta norte-americano avança com sua reflexão. Existe, diz, uma
ameaça para nossa liberdade. “As pessoas fazem amizades automatizadas por
empresas como Facebook ou Twitter, o que significa que cada vez elaboramos
menos nossos próprios pensamentos. O computador se apodera até mesmo de áreas
íntimas de nossa vida”.
“Nós as aceitamos porque nos
oferecem a ilusão de que teremos mais tempo livre”
P. Você acha que a tecnologia, de algum modo, pode fazer com que
sejamos menos livres?
R. Sim, acho. A liberdade começa com a liberdade de pensamento, o que
significa a habilidade de controlar sua própria mente; no que vamos prestar
atenção, o que consideramos importante. E agora que usamos computadores o tempo
todo, em forma de smartphones, tablets,seja o que for, o computador determina
cada vez mais para onde está dirigida nossa atenção. As empresas de software e
de Internet sabem muito bem o que vai chamar nossa atenção. Quando começamos a
presentear o controle da nossa mente e da nossa atenção, perdemos uma fonte
muito importante de liberdade e livre-arbítrio.
P. É um perigo para a sociedade que nossas buscas de informação, ou
compras, estejam sendo guiadas?
R. Há algoritmos secretos que, de certo modo, estão-nos manipulando.
P. Estão-nos manipulando?
R. Estamos sendo manipulados em muitos casos. O Facebook determina
com seus algoritmos o que você vê dos seus amigos. Mas como não informa que
algoritmos são esses, não sabemos quais são suas intenções, por que nos mostra
uma coisa e não a outra. Se você fizer uma busca no Google, são seus algoritmos
secretos que determinam o que você vai ver e não sabemos como escolhem o que
nos mostram. Podemos ter a esperança de que sua manipulação seja benigna, que
estão nos ajudando, mas não podemos ter certeza disso.
Carr, que rechaça ser chamado de tecnófobo, considera que o problema é
que as máquinas são criadas por tecnólogos que só estão preocupados por saber
até onde é capaz de chegar a máquina, e não de que modo ela pode expandir
nossas capacidades. “Não é possível parar as inovações tecnológicas. Mas
podemos pedir que sejam criadas dando prioridade ao ser humano[SIC!], ajudando-nos a ter uma vida
plena em vez de se apoderar de nossas capacidades”.
Fonte: El País
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