Anteriormente
tínhamos iniciado a narração deste sonho de São João Bosco relativo ao papel da
oração na nossa salvação eterna e especificamente através do rezo do Rosário.
Na parte de hoje São João Bosco acrescenta o papel da confissão e comunhões
frequentes — poderosos meios para nos afastar do mal.
Retomemos
o relato das Memórias Biográficas de São João Bosco.
Exposta a
nossos leitores — continua Dom Lemoyne — nossas pobres ideias sobre o
significado da casinha de Murialdo e da árvore vista por Dom Bosco no sonho,
façamos uso da Crônica de Dom Provera, que nos oferece outras diversas
circunstâncias do sonho, citando algumas palavras de Dom Bosco. Diz assim:
"Em 21
de agosto, de noite, estávamos todos impacientes por ouvir a segunda parte do
sonho que Dom Bosco tinha anunciado, proclamando ser de grande interesse e
proveito para todos; mas, os nossos desejos não ficaram satisfeitos. Dom Bosco,
como de costume, subiu à sua tribuna e disse:
—Ontem
noite anunciei-lhes que hoje ia contar-lhes a segunda parte do sonho, mas,
muito a meu pesar, acredito que não devo manter minha palavra.
Seguidamente,
de todas as partes se elevou um murmurinho que indicava a contrariedade e o
desgosto geral. O (Santo), depois de deixar que se serenassem os ânimos,
prosseguiu:
— O que
querem? Pensei-o ontem de noite, pensei-o hoje e convenci-me de que não é
conveniente contar a segunda parte de sonho, pois contém coisas que não
quereria se soubessem fora de casa. Contentem-se, pois, tirando algum proveito
do que lhes disse, quando lhes narrei a primeira parte.
Ao dia
seguinte, que era 22 de agosto, rogamos-lhe insistentemente que, se não queria
fazê-lo em público, ao menos nos contasse em privado a segunda Parte do sonho.
Resistia a condescender com nossos desejos, mas, depois de reiteradas súplicas
acedeu e assegurou-nos que de noite continuaria o relato. Assim o fez. Rezadas
as orações, continuou:
"Dadas
suas contínuas petições, contarei a segunda parte do sonho. Se não tudo, ao
menos, dir-lhes-ei aquilo que posso referir-lhes. Mas antes é necessário que
assinale uma condição, ou seja, que ninguém escreva nem diga fora de casa o que
vou contar. Comentem entre vocês, tomem a risada se quiserem, façam o que lhes
agrade, mas só entre vocês".
Enquanto
falávamos — aquele personagem e eu sobre o significado da corda e da serpente —,
voltei-me para trás, e vi alguns jovens que agarrando os pedaços da carne da
serpente, os comiam. Então, gritei-lhes imediatamente:
— Mas o
que é o que fazem? Estão loucos? Não sabem que essa carne é venenosa e que lhes
fará muito dano?
Não, não
— me respondiam os jovens —, está muito boa.
Mas,
depois de havê-la comido, caíam ao chão, inchavam-se e tornavam-se duros como
uma pedra.
Eu não
sabia quedar em paz, porque apesar daquele espetáculo, cada vez era major o
número de quantos jovens comiam daquelas carnes. Eu gritava ao um e ao outro;
dava bofetadas a este, um murro àquele, tentando impedir que comessem; mas era
inútil. Aqui caía um, enquanto que lá começava a comer outro. Então chamei os
clérigos em meu auxílio e disse-lhes que se mesclassem entre os jovens e se
organizassem de maneira que nenhum comesse aquela carne. Minha ordem não obteve
o efeito desejado, mas sim que alguns dos mesmos clérigos ficaram também a
comer as carnes da serpente, caindo ao chão ao igual dos outros. Eu estava fora
de mim quando vi a meu redor a um tão grande número de moços estendidos pelo
chão no mais miserável dos estados.
Voltei-me
então para o desconhecido e disse-lhe:
— Mas o
que quer dizer isto? Estes jovens sabem que esta carne ocasiona-lhes a morte, e,
contudo, comem-na.
— Qual é
a causa?
Ele
respondeu-me:
—Já sabes
que animalis homo non percipit ea quae
Dei sunt. (Alguns homens não percebem as coisas que são de Deus)
— Mas não
há remédio para que estes jovens voltem em si?
— Sim que
o há.
— E qual
seria?
— Não há
outro mais que a bigorna e o martelo.
— A
bigorna? O martelo? E como terá que empregá-los?
— Terá
que submeter aos jovens à ação de ambos os instrumentos.
— Como?
Acaso devo colocá-los sobre a bigorna e logo golpeá-los com o martelo?
Então meu
companheiro, explicando seu pensamento, disse:
— Olhe: o martelo significa a
Confissão; a bigorna, a Comunhão; é necessário fazer uso destes dois médios.
Pus mãos
à obra e comprovei que eram os indicados, remédios eficacíssimos, embora para
alguns resultassem inúteis; tais eram os que não faziam boas confissões.
A
confissão e a comunhão como meios para nossa perseverança e salvação eterna
‘Quando
os jovens se retiraram aos dormitórios — continua Dom Provera— perguntei a
(São) João Dom Bosco por que suas ordens aos clérigos, de que impedissem aos
jovens comer as carnes da serpente, não tinham conseguido o efeito desejado.
O servo
de Deus respondeu-me:
— Nem
todos obedeceram. Pelo contrário, vi alguns dos clérigos, como já disse, comer
também daquelas carnes.
Estes
sonhos — continua Dom Lemoyne — representam em resumidas contas a realidade da
vida. Com as palavras e com os fatos Dom Bosco reflete a realidade da vida, o
estado de uma comunidade em que, em meio de grandes virtudes, também existem
misérias humanas. E não terá que maravilhar-se disso, quanto mais que o vício, por sua própria natureza, tende a
expandir-se mais que a virtude, daqui a necessidade de uma vigilância contínua.
Alguém
poderá objetar que teria sido mais conveniente atenuar ou omitir algumas
descrições um tanto irritantes; mas nosso parecer não é o mesmo.
Se a
história tiver que cumprir seu nobre ofício de mestra da vida, deve descrever o
passado tal é como foi em realidade, para que as gerações futuras possam
animar-se ante o exemplo do ardor e da virtude dos que lhes precederam e, ao
mesmo tempo, conhecer suas faltas e enganos, deduzindo deles a prudência com
que devem regular os próprios atos.
Uma narração que só apresentasse
um lado da realidade histórica conduziria irremediavelmente a um falso conceito
da mesma. Enganos e defeitos cometidos repetidas vezes, ao não ser reconhecidos
como tais, voltarão a ser a causa de novas transgressões, sem grande esperança
de emenda. Uma mal entendida apologia, de nada serve aos benévolos, nem
converte aos mal dispostos; em troca, uma franqueza ilimitada engendra crédito
e confiança.
Portanto,
nós, ao expor nossa maneira de pensar, diremos, além disso, que Dom Bosco deu
do sonho as explicações mais adequadas às inteligências dos jovens, deixando
entrever outras de não menor importância, não as apresentando com toda
claridade, porque não acreditou que era chegado o momento oportuno para
fazê-lo. Em efeito: nos sonhos veem que o (Santo) fala não somente do presente,
mas também do futuro longínquo, como acontece no (sonho) da roda e em outros
que iremos expondo.
As carnes
podres do monstro não poderiam significar o escândalo que faz perder a fé; a
leitura dos livros imorais, irreligiosos? O que indicam a queda ao chão, o
inchaço, a dureza dos membros, a não ser a desobediência ao superior, a
soberba, a obstinação no mal, a malícia?
O veneno
é o mesmo com que poluiu aquela comida maldita o dragão descrito por Jó no capítulo
XLI, que asseguram os Santos Padres ser figura de Lúcifer. O versículo 15 de
dito capítulo, diz assim: ‘Seu coração é duro como a pedra, sólido como a mó
fixa de um moinho’. E, nisso, transformasse o coração dos miseráveis
envenenados, dos rebeldes obstinados no mal.
E qual será o remédio contra tal
dureza? (São) João Dom Bosco emprega um símbolo um tanto escuro, mas que em
substância assinala um remédio sobrenatural. Ocorre-nos esta explicação: É
necessário que a graça santificante, obtida mediante a oração e com os sacrifícios
dos bons, acenda os corações endurecidos e os faça maleáveis; que os dois
Sacramentos, isto é, o martelo da humildade (confissão) e a bigorna da
Eucaristia sobre o qual o ferro recebe uma forma decisiva, artística, para que
depois de ser temperada, possa exercer sua eficácia divina.
Que o
martelo que golpeia, e a bigorna que sustenta, concorram a realizar a obra que
em nosso caso, não é outra que a reforma do coração enfermo, mas dócil ao mesmo
tempo. Será, então, quando este, rodeado de um nimbo de esplêndidos raios de
luz, voltará a ser o que fora em outro tempo.
(M. B.
Volume VII, págs. 238-239)
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