Raphael de la Trinité
A opinião pública,
assim, acostuma-se com a ideia do ultraje a tudo que é santo.
De início, a título
de "algo jocoso". Como não há condenação clara e veemente, o teste
"passa".
Na etapa seguinte,
aquilo que parecia simples pilhéria, de tanto repetir-se, vai-se incorporando à
realidade como 'fait-divers' (um fato como outro qualquer).
Não foi de outra
forma que, após sucessivas fases de atonia crescente da opinião pública, o
homossexualismo e manifestações nudistas acabaram ganhando direito de cidadania.
Numa terceira etapa — derrubadas as “barreiras
de horror” —, a maior parte das pessoas (aquelas mesmas que, pouco tempo antes,
se mostravam escandalizadas) agora mal prestam atenção naquilo que, de certo
modo, já se incorporou à cinzenta rotina do dia-a-dia.
Assim se obtém
vitória. — Como? Não por persuasão, mas por indolência e inércia.
Ora, a indiferença
é, de certo modo, o pior dos males: "Antes foras frio ou quente, mas
porque és morno, e nem frio e nem quente, começar-te-ei a vomitar da minha
boca" (Ap III, 15-16).
O mal não deve ser
combatido com gracejos ou galhofa; precisa mesmo é de condenação. A História,
“mestra da vida”, está farta de exemplos nesse sentido.
A Revolução
protestante (1517) começou esteada no riso.
Diante das injúrias
proferidas por Martinho Lutero contra Leão X, este comentou: "Que
engraçado! Frei Martinho escreve bem em latim. Sabe até os piores
impropérios...". Logo depois acrescentaria mais este desastrado vaticínio:
“Isso [o protestantismo] não passa de uma briga de monges". A história deu
eloquente desmentido a essa visão medíocre e acomodatícia do Papa.
Sabe-se que aquele
Pontífice revelava pouca apetência pelo exercício de suas funções. Tinha na
mais conta, isto sim, embelezar os jardins de Roma e restaurar antigas estátuas
do mundo greco-romano.
Grande gargalhada.
Durante os anos que
antecederam a Revolução Francesa (1789), os enciclopedistas (à testa dos quais,
o ímpio Voltaire) assacavam, num clima de troça e zombaria, as piores injúrias e
calúnias contra a Igreja.
Não foram levados a
sério, pois tudo aquilo, embora destrutivo, tinha uma nota tão sarcástica e
“espirituosa”, que não valia a pena deter-se para fazer uma condenação em
regra. Sob a égide do iluminismo, difundiam-se, ao mesmo tempo, todos os erros
jansenistas, que culminariam na Constituição Civil do Clero e na derrubada da
Monarquia francesa. Toda essa ação corrosiva era conduzida em meio à sonolência
geral.
Quando, por parte
de um punhado de condutores do mais vil populacho, ocorreu a invasão da
Bastilha, o Rei Luiz XVI, sempre displicente e otimista, indagou ao chefe do
cerimonial, Marquês de Dreux-Brézé: “Então é uma revolta?”. Obteve esta
resposta: “Não, Sire, é uma revolução!”. O infeliz monarca era incapaz de ver a
Revolução que entrava palácio adentro... Um de seus passatempos preferidos
consistia em trabalhar como relojoeiro e serralheiro. Quando se tratava de
dirigir os rumos da Nação francesa, demonstrava tédio e inapetência...
Mediante a solerte
ação dos Cafés e Sociétés de Pensée (clubes
de “prosadores-agitadores”, artistas e sofistas bem adestrados e entrosados
entre si), criou-se a atmosfera propícia para a derrubada das instituições do
Antigo Regime. Pretexto: havia abusos. Meio utilizado: descrédito e farpas
envenenadas.
Algum tempo antes da
Revolução Russa (1917), irrompeu na Corte de Nicolau II um "monge"
devasso e intrigante. Chamava-se Rasputin. Pertencia a uma seita russa que
praticava o chamado sexo tântrico — busca do gozo dos sentidos por todos os
meios possíveis, como meio de felicidade e "libertação" pessoal.
Nesse ínterim, a Czarina
Alexandra (alemã de nascimento, mas que se "russificara" por completo)
manifestava sintomas característicos de “alumbramento” místico. Em razão desse
grave desequilíbrio, facilmente deu crédito ao religioso-farsante, quando este se
ofereceu para “curar” o seu filho e herdeiro do Trono, Alexis, da hemofilia (terrível
doença, caracterizada por um distúrbio na coagulação do sangue: em caso de sangramento,
a ferida não cicatrizava). Levada por esse impulso, a Czarina introduziu no Palácio
Imperial o infame intruso, de perfil nitidamente diabólico. Está pavimentada a
estrada para que este passe a exercer influência decisiva nos bastidores da
Corte russa, o que não tardou em acontecer.
Consequência:
desmoralização completa da Monarquia.
Para cúmulo de
"desgraça", dez anos antes (1905) desenrolara-se em Moscou um desfile
de camponeses, dirigidos pelo padre cismático (da autodenominada Igreja ortodoxa
russa) Gapone, insuflador de massas. A manifestação pacífica desfechou numa carnificina.
Ninguém sabe de
onde partira a notícia de que o Czar havia mandado atirar na multidão, a qual
desfilava com ícones religiosos, pedindo uma audiência ao "Paizinho"
— assim era conhecido até então o Czar Nicolau II.
Esses dois
episódios tiveram efeito devastador: destruíram (ou abalaram profundamente) o
respeito e a veneração de que o Czar desfrutava junto ao povo russo.
Que pensar sobre o
desventurado Nicolau II?
Relata-se que,
durante o tempo em que esteve prisioneiro com a família (pouco antes de ser
assassinado pelos comunistas, com todos os seus), o Czar distraía-se trabalhando
nos jardins da casa onde o deixaram detido. Numa dessas ocasiões, Nicolau II fez
observar que sentia fastio pelo ofício de Monarca, e que teria preferido
especializar-se em jardinagem... A dinastia multissecular dos Romanovs estava
sendo banida, enquanto o Czar entretinha-se em revolver a terra e cuidar das
plantas!
Para chegar ao caos
da revolução bolchevique, importava desprestigiar (ressaltando as notas
caricatas e grotescas, ali muito presentes) a vida de corte russa. Uma vez desmoralizadas
as instituições, arrefecidas as notas de admiração e respeitabilidade na alma
popular, todas as condições ficam postas para que, mediante simples piparote,
tudo vá de roldão. Foi isso o que realmente sucedeu.
Quando se deseja
demolir uma instituição, o primeiro passo é desfechar-lhe a pecha do ridículo e
do descrédito.
Entre nós,
brasileiros, citemos um exemplo recente: antes de ser destroçada a escola
tradicional (hierárquica e disciplinada), assestaram-se os holofotes da
publicidade em certos aspectos colaterais que o nosso sistema de ensino
apresentava, e que mereciam evidentes reparos. Com efeito, em muitas
circunstâncias, convinha sumamente reavaliar aspectos concretos dos métodos e
estilos até então adotados, fazendo-os coadunar com necessidades e preocupações
que, naqueles idos, já tomavam a dianteira dos acontecimentos, e que deveriam
ser incluídas no currículo. Nada disso se fez. Contudo, essa inoperância serviu
de álibi para que se desferissem os mais sanhudos e traiçoeiros golpes contra o
modelo tradicional vigente. Em pouco tempo, a derrocada se deu,
transformando-se prestigiosas instituições num amontoado de ruínas. Nesse
contexto, o movimento que eclodiu na Universidade da Sorbonne-Nanterre, em
1968, representou o estopim da mesma tendência desagregadora.
A repetição de
slogans, frases de efeito e palavras “talismânicas”, encarregou-se de fazer o
resto, representando papel saliente na urdidura e execução dos planos
subversivos.
Mais uma vez, o
dito de Voltaire se confirma: "MENTI, MENTI; ALGUMA COISA SEMPRE
FICARÁ".
De forma
retrospectiva, resumamos assim: transforma-se a tragédia em piada, e tudo o
mais se desencadeia, num ímpeto como que irreversível, sob a batuta de
determinadas forças, sempre rumo à dissolução geral.
À maneira de esquema:
desalento, descoroçoamento, capitulação = vitória do inimigo!
Embora certa
propaganda concorra para transmitir a impressão de que os executores dos mais
sinistros planos gozam de força irrefreável, na realidade dos fatos, o inimigo comumente
não é tão forte quanto se presume. Sem dúvida, a força dos maus provém da
fraqueza dos bons. Somos nós que, o mais das vezes, não nos colocamos à altura
daquilo que a contingência histórica nos impõe. Quando nos demitimos do dever
de lutar, geralmente o inimigo triunfa.
Essa realidade não
encontra aplicação apenas na vida de Papas e Reis. É, pelo contrário, uma regra
geral da história, que se reproduz, de formas diversas, em todos os âmbitos da
sociedade, bem como em todas as esferas da atividade humana.
No terreno
religioso, tomemos como exemplo o Concílio Vaticano II. Nessa augusta
assembleia, apesar de os progressistas declarados serem minoria, os manifestos
defensores da tradição também o eram. Numa posição indefinida, embora favorável,
nas grandes linhas, à tradição, alinhava-se a “maioria silenciosa”, a qual,
entretanto, vivia em permanente acomodamento e habitual indolência. Obviamente,
penderia para o lado que tivesse melhor desempenho.
Verificou-se,
então, que, em face das artimanhas progressistas muito bem tramadas, os de
perfil tradicional acharam logo que a partida fora perdida e, com isso,
deixaram de se organizar, articular, recusando-se a enfrentar com método e
inteligência o inimigo. Resultado mais que previsível: a minoria progressista
levou a melhor.
Lição da história:
os grandes movimentos e revoluções serão sempre obra de minorias bem
organizadas e audaciosas que, conseguindo imobilizar o "centro
decisivo", encurralam os lídimos detentores do poder (elites ou grupos
tradicionais análogos), fazendo-os soçobrar, por terem perdido a certeza da própria legitimidade. Estes,
demitindo-se de seu papel princeps, preferem a capitulação à luta sem quartel. Segundo o grande estrategista alemão
Clausewitz, o objetivo de uma guerra não é destruir fisicamente o adversário,
mas tirar-lhe a vontade de lutar. Sem convicções sólidas e determinação rija para
o combate, segue-se a ruína dos indivíduos, povos e civilizações.
"Recuar diante do inimigo, ou calar-se quando
de toda parte se ergue tanto alarido contra a verdade, é próprio de homem
covarde ou de quem vacila no fundamento de sua crença. Qualquer destas coisas é vergonhosa em si; é injuriosa a Deus; é
incompatível com a salvação tanto dos indivíduos, como da sociedade, e só é
vantajosa aos inimigos da fé, porque nada
estimula tanto a audácia dos maus, como a pusilanimidade dos bons" (Papa
Leão XIII, encíclica Sapientiae Christianae, de 10 de janeiro de 1890]. [destaques nossos].
Nenhum comentário:
Postar um comentário