Ecle 1, 15: "stultorum infinitus est numerus", sentença de Salomão.
Maurício Moraes
Da BBC Brasil em São Paulo
"Estamos lutando por algo que ainda
não sabemos o que é, mas que pode ser o início de algo muito grande que pode
acontecer mais para frente", diz uma
integrante do movimento Black Bloc em entrevista à BBC Brasil.
A estudante de 23 anos escolheu o nome fictício de
Iuan para conversar com a reportagem pelo telefone. Após a BBC Brasil fazer o
primeiro contato pela página Black Bloc RJ no Facebook, a ativista ligou na
hora marcada para a redação para dar a entrevista. Não queria divulgar seu
número de telefone.
A jovem também se recusou a dar mais detalhes de
sua vida e de sua participação no movimento. Só aceitou conversar com a
garantia de total anonimato.
A estudante iniciou a entrevista ressaltando que
não fala pelo movimento, reafirmando o caráter descentralizado e "sem
lideranças" do Black Bloc. [SIC!
SIC! SIC!]
Iuan se define como revolucionária, porém
diz ser realista porque avalia que o Brasil ainda não oferece o cenário
político e social favorável para uma revolução.
"Eu não diria que a revolução é uma
realidade agora. Sabemos que revoluções de pensamento levaram dois séculos para
acontecer. Mas posso dizer que isso pode ser o início de uma coisa muito grande
daqui para frente", diz.
A estudante conta ter um "histórico de
manifestações". Em junho, quando o país foi
sacudido por uma onda de protestos, ela foi às ruas com o rosto pintado de
verde-amarelo. "Aí, um dia, olhei para mim, me vi com verde e amarelo no
rosto e pensei: por que eu estou assim, já que eu não tenho orgulho disso? Aí
eu pensei: preto combina muito mais", conta a jovem.
Proteção
Para Iuan, as cores da bandeira nacional, que já
haviam sido usadas como propaganda da "ditadura" não estavam à altura
de seu nível de indignação.
"Eu não conhecia o movimento Black Bloc antes.
Aí você começa a ir para a rua, começa a conhecer melhor e perceber que aquilo
(o movimento) te representa muito mais."
"Principalmente uma pessoa como eu
que já tem algum tipo de luta social e não conseguia se enquadrar em lugar
nenhum. Eu vi isso (representatividade) no Black Bloc", acrescenta.
Ela identifica os black blocs com
"uma tática de manifestação cujo objetivo é proteger os manifestantes da
repressão policial", mas admite que, muitas vezes, os ativistas acabam
sozinhos "porque as pessoas ficam com medo, saem".
Questionada sobre se não é contraditório falar em
proteger o manifestante quando algumas práticas do grupo acabam gerando reação
ainda mais agressiva da polícia, ela menciona a retirada violenta de
professores que haviam ocupado o plenário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro
há duas semanas.
"Eles foram expulsos com muita
truculência pela polícia, e a atuação dos Black Blocs no dia seguinte deu mais
visibilidade ao movimento dos professores", respondeu, sem entrar em
detalhes sobre como, de fato, ocorre a proteção dos manifestantes.
"Tinha gente saindo do trabalho, e
todo mundo estava sendo duramente reprimido, com bombas de gás. E as pessoas
estavam resistindo. Isso foi importante", diz, argumentando que a
"resistência" só foi possível porque as pessoas se sentiram
protegidas pelos Black Blocs que estavam na rua naquele dia "para desafiar
a polícia".
Violência
Além de capuzes pretos e panos cobrindo os rostos,
as imagens de quebradeira em agências bancárias e pontos de ônibus tornaram-se
outra marca dos Black Blocs.
"Quebrar os bancos é uma revolta
contra o sistema bancário", justifica. "Quanto a quebrar orelhão e
lixeiras, isso é parte da tática, para evitar o avanço da polícia, é para fazer
uma barricada mesmo",diz a manifestante.
Iuan enumera vários motivos que a levaram
optar pela tática Black Bloc, entre os quais uma reflexão sobre a má qualidade
dos serviços públicos de transporte e saúde e a concentração de renda no país.
Não seria então contraditório defender
serviços públicos de qualidade enquanto orelhões e lixeiras são quebrados,
onerando o Estado, que terá de pagar para repô-los?
Ao responder a pergunta, Iuan cita
"os juros abusivos pagos pela União" na rolagem da dívida pública do
país. "Uma lixeira ou orelhão não é nada frente a tudo o que a gente paga,
os grandes tributos, a falta de serviços públicos", afirma. "Isso
destrói sonhos."
Os Black Blocs dividem opiniões na sociedade, sendo
classificados como anarquistas por alguns e como vândalos e baderneiros por
parte da opinião pública e por autoridades. Muitos criticam suas ações,
enquanto outros defendem o movimento.
Após o desfecho violento da manifestação dos
professores há uma semana, que acabou com bancos e prédios públicos depredados
no Rio e em São Paulo, alguns dos trabalhadores em greve chegaram a agradecer
os Black Blocs pela presença no protesto.
Apesar de querer atrair a simpatia da opinião
pública para a estratégia de protesto, a ativista Black Bloc diz que as pessoas
"não precisam quebrar nada". "Espero
que entendam que estamos fazendo isso por todo mundo", diz a jovem.
"É uma luta pela humanidade."
Representação política
Iuan conta que votou em todas as eleições, mas que
ainda não sabe se vai escolher algum representante no próximo ano, em "uma
urna eletrônica em que não confia", como faz questão de ressaltar.
A estudante critica o mau preparo dos
candidatos e as ações do governo. Ela fala da necessidade de distribuir melhor
a renda, mas diz que não é de todo contra a existência do Estado.
Questionada se não estaria sendo mais
reformista do que anarquista, ao reconhecer algum valor no Estado, a jovem
contornou a pergunta e respondeu que tem de ser realista.
Mas Iuan diz que descarta a possibilidade de se
candidatar a um cargo político no futuro porque não concorda com o atual
sistema de arranjo do Estado e, como outros Black Blocs, não quer representação
política.
Fonte: BBC & Católicos de Ribeirão
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